Palavras-chave: Sucessão. Testamentos. Funcionamento.
A população brasileira em geral possui uma visão peculiar acerca do funcionamento da sucessão no direito brasileiro, haja vista que o funcionamento da legislação pátria não lhes é devidamente explicitado. Para muitos, a exemplo do que ocorre nas produções audiovisuais estrangeiras (em especial as estadunidenses), a regra geral seria poder dispor de maneira completamente livre acerca dos bens que possuírem quando de seu falecimento.
Conquanto tal hipótese faça sentido (e, para além disso, seja completamente razoável), a legislação brasileira a respeito da sucessão (transmissão do patrimônio de pessoa falecida a seus herdeiros e/ou sucessores) vai em sentido diametralmente oposto.
Diferentemente do que ocorre em outros sistemas jurídicos, a legislação civil brasileira (Código Civil de 2002) disciplina a forma como se dará a sucessão do patrimônio da pessoa falecida, impondo restrições ao direito de disposição dos bens que o componham. Não obstante, a forma como se dará a sucessão é comumente influenciada por diversos fatores, sobretudo pela contração de matrimônio pelo de cujus e pela existência de herdeiros necessários. Vejamos.
De início, verifica-se que o Código Civil de 2002 (CC/02) veda que o particular disponha da totalidade os seus bens através de testamento quando o testador possuir herdeiros necessários. Em brevíssimo resumo, são eles os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, na esteira do que disciplina o art. 1.845, do CC/02.
Os herdeiros necessários possuem direito ao que se convencionou denominar legítima, que nada mais é do que a “metade dos bens da herança”, consoante leciona o art. 1.846, do CC/02. Significa dizer, desde logo, que acaso o particular possua herdeiros necessários vivos (filhos, netos e demais descendentes; pais, avós e demais ascendentes; bem como cônjuge), não poderá realizar o testamento sobre a integralidade de seu patrimônio, mas apenas da metade que não é atingida pela legítima.
De outra senda, o matrimônio também influencia na sucessão de acordo com o regime de bens eleito pelos cônjuges. Na hipótese de haverem se casado sob o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.658, do CC/02), que é o adotado como padrão quando não há disposição expressa em sentido contrário por parte dos nubentes, há comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento, salvo algumas exceções.
Nesse sentido, quando do falecimento do particular, o cônjuge supérstite terá direito a 50% (cinquenta por cento) do patrimônio adquirido após o casamento, o que se denominou meação. A outra metade dos bens, além daqueles havidos pelo de cujus antes do casamento, deve ser distribuída entre os herdeiros necessários (podendo ser revertida ao cônjuge supérstite apenas caso não existam outros herdeiros necessários).
Se os cônjuges houverem contraído matrimônio sob o regime da comunhão universal de bens (art. 1.667, do CC/02), de outra senda, todo o seu patrimônio se comunicará, independentemente de haver sido adquirido na constância do casamento ou não, salvo algumas exceções. Também neste regime de bens, o cônjuge supérstite possui direito à meação, razão pela qual metade do patrimônio total do casal pertencerá ao de cujus.
Por conta disso, 25% (vinte e cinco por cento) do patrimônio do casal (correspondente a 50% do patrimônio de um dos cônjuges), obrigatoriamente, será destinado aos herdeiros necessários quando do falecimento de um dos cônjuges, enquanto os outros 25% (vinte e cinco por cento) sobejantes poderão ser objeto de disposição por parte do particular.
Se o casamento for realizado com a opção pelo regime de separação de bens, não há comunicação entre os bens dos cônjuges (cf. art. 1.684, do CC/02), de maneira que a administração de seu respectivo patrimônio deve ser realizada pelo cônjuge proprietário. Ainda assim, na hipótese de sucessão, o cônjuge supérstite concorre obrigatoriamente com os descendentes do de cujus.
Por fim, quando há enlace pelo regime de participação final nos aquestos, há uma abordagem diversificada ao patrimônio dos cônjuges. Este regime de bens possui características do regime de separação total de bens e do regime de comunhão parcial de bens, vez que mesmo durante o matrimônio, cada cônjuge terá seu patrimônio próprio, respondendo autonomamente por ele mas, de outro lado, existe a possibilidade de ocorrer a meação dos bens em caso de falecimento de um dos cônjuges.
Quando houver a dissolução da sociedade conjugal (inclusive por falecimento), o cônjuge supérstite terá “direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento” (cf. art. 1.672, do CC/02 – grifou-se). Além disso, também concorrerá em igualdade de condições com os demais herdeiros do de cujus no que tange ao seu patrimônio particular.
Diante disso, há diversas limitações à disposição de bens por parte do testador, a depender de sua realidade fática. Um particular que não possua herdeiros necessários (descendentes, ascendentes ou cônjuge) e que não tenha contraído matrimônio poderá dispor de seus bens como melhor lhe aprouver sem que haja qualquer empecilho imposto pelo CC/02, tal qual comumente crê a maior parte da população.
Entretanto, o art. 1.789, do CC/02, assevera expressamente que, na eventualidade de que haja herdeiros necessários, “o testador só poderá dispor da metade da herança”. Isto porquanto, consoante acima se explicitou, os herdeiros necessários têm direito ao recebimento da legítima, que corresponde a 50% (cinquenta por cento) do patrimônio do de cujus.
Na hipótese de que o testador tenha contraído matrimônio regido pela comunhão universal de bens, ele poderá dispor apenas de 25% (vinte e cinco por cento) do patrimônio do casal. Isto porquanto o cônjuge supérstite terá direito a meação destes bens, de maneira que o patrimônio do de cujus corresponderá à metade deles. Assim, a parte disponível ao testador será de metade desta proporção (ou 25% do patrimônio total do casal).
Caso se trate de casamento regido pela comunhão parcial de bens, o testador poderá dispor de 25% (vinte e cinco por cento) do patrimônio total do casal – por conta da meação havida com o cônjuge supérstite – além de 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio pessoal – ante a necessidade de preservação da legítima para os herdeiros necessários.
Da mesma forma ocorrerá se o testador houver se casado no regime de participação final nos aquestos, lembrando que cada cônjuge terá apenas direito à meação dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso (excluindo-se o que recebeu de herança e a título de doação), na constância do casamento; e de que o cônjuge supérstite, obrigatoriamente, concorrerá com os descendentes do de cujus pela herança, de maneira que participará do recebimento da legítima.
Por fim, se o testador houver contraído matrimônio regido pela separação de bens, ele poderá dispor de apenas 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio, caso tenha herdeiros necessários. Caso contrário, poderá dispor integralmente de seus bens da maneira que lhe parecer mais conveniente.
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