3ª Turma do STJ – possibilidade de rescisão pelo adquirente de Contrato de Alienação Fiduciária sem registro

Mauro Fonseca de Macedo

Advogado – Bel. em Direito pela UFPR

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu por maioria de votos, no último dia 09/02/2021, que para a cláusula de alienação fiduciária ter eficácia, os contratos imobiliários devem necessariamente estar registrados nos respectivos assentos imobiliários (Recurso Especial nº 1.835.598/SP, Relatora: Min. Nancy Andrighi). 

Nada obstante, o voto contrário proferido pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva e a jurisprudência divergente da 4ª Turma do STJ, impõe uma análise mais acurada do conteúdo do referido aresto.

O julgado em apreço analisou uma ação de rescisão de contrato particular de compra e venda de imóvel com cláusula de alienação fiduciária movida pelo adquirente, na qual pleiteou a devolução de 90% das importâncias pagas. No caso em tela, o referido contrato de alienação fiduciária não se encontrava registrado no momento da propositura de ação de rescisão contratual, motivo pelo qual a 3ª Turma firmou o entendimento de que “na ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis, como determina o art. 23 da lei 9.524/97, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do devedor”.

Ocorre que segundo o disposto na Lei nº 9.514/1997, que trata da alienação fiduciária de bens imóveis, existe apenas duas formas de resolução do contrato, ou seja, (i) através do pagamento integral das parcelas contratadas, momento em que se opera o cancelamento do registro da propriedade fiduciária, passando o domínio do imóvel ao comprador; (ii) alienação do imóvel prometido à venda através de leilão extrajudicial, cujo produto da venda deve ser destinado ao pagamento da dívida e demais despesas, momento em que a propriedade ficará consolidada em nome do credor fiduciário. Neste último caso, após quitada a dívida, o saldo, se houver, será devolvido ao comprador.

Desta forma, não existe previsão legal que possibilite ao promitente comprador inadimplente pugnar pela rescisão contratual com a devolução das importâncias pagas nos contratos imobiliários com cláusula de alienação fiduciária. 

No entanto, por interpretação literal do art. 23 da Lei 9.514/97 “constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título”, a 3ª Turma firmou posicionamento de que seria possível o pedido de rescisão contratual pelo devedor inadimplente, com devolução parcial dos valores pagos, uma vez que a alienação fiduciária somente estaria consolidada depois de efetivado o respectivo registro imobiliário. 

Como efeito deste entendimento, os promitentes compradores não precisam esperar pelo leilão extrajudicial do imóvel adquirido, para então receber a devolução das importâncias pagas, obviamente, acaso a alienação fiduciária não se encontre devidamente registrada.

Não obstante o posicionamento adotado pela maioria dos Ministros da 3ª Turma, o bem fundamentado voto divergente apresentado pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, que enfatiza o entendimento contrário observado no AREsp 1.680.082 da 4ª Turma do STJ, nos mostra que a questão ainda não se encontrada pacificada na STJ.

O aresto citado no voto divergente é bastante claro ao afirmar não ser necessário o registro do contrato de alienação fiduciária para que a cláusula de alienação fiduciária tenha validade e eficácia “1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, diante da incidência do art. 27, §4º, da Lei 9.414/1997, que disciplina de forma específica a aquisição de imóvel mediante garantia de alienação fiduciária, não se cogita da aplicação do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, em caso de rescisão do contrato por iniciativa do comprador, ainda que ausente o inadimplemento. 2. A jurisprudência desta Corte Superior entende que não é necessário o registro do contrato garantido por alienação fiduciária no Cartório de Títulos e Documentos para que o pacto tenha validade e eficácia, visto que tal providência tem apenas o intuito de dar ciência a terceiros”.

Importante salientar que jurisprudência citada no voto divergente (AREsp 1.680.082) não se relaciona exatamente a mesma matéria do aresto em análise, eis que mencionada a desnecessidade de registro em “Cartório de Títulos e Documentos” para que tenha eficácia e validade, mas nada mencionou a respeito da desnecessidade do registro da alienação fiduciária no respectivo “Cartório de Registro de Imóveis”, que é o tema debatido.

No entanto, o voto divergente externa posicionamento coerente com o entendimento geral emanado pela jurisprudência do STJ, no sentido de que o registro dos contratos, seja em Cartório de Títulos e Documentos ou mesmo perante o Registro de Imóveis, são necessários apenas para que os contratos tenham validade contra terceiros, mas não para a validade e eficácia entre os contratantes. A prevalecer este entendimento, não haveria qualquer motivo para que os contratos de alienação fiduciária fugissem à regra geral.

O Min. Ricardo Villas Bôas Cueva destaca em seu voto que embora manifeste entendimento de que seria impossível levar o imóvel alienado fiduciariamente à leilão antes do registo nos assentos imobiliários (princípio da continuidade registral), a mera ausência do registro não permitiria ao promitente comprador inadimplente pleitear a rescisão contratual com a devolução das parcelas pagas “Entende-se, desse modo, que a ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis não confere ao devedor fiduciante o direito de promover a rescisão da avença por meio diverso daquele contratualmente previsto, tampouco impede o credor fiduciário de, após a efetivação do registro, promover a alienação do bem em leilão para só então entregar eventual saldo remanescente ao adquirente do imóvel, descontados os valores da dívida e das demais despesas efetivamente comprovadas”.

  Neste sentido, ainda que a questão não possa ser considerada como consolidada na corte, nunca é demais observar que os contratos de alienação fiduciária devem ser levados a registro no respectivo Cartório de Registro de Imóveis logo após a sua assinatura, restando garantia a sua validade eficácia não só contra terceiros, como também entre os próprios contratantes.

De qualquer modo a atual jurisprudência serve para ressaltar a importância da atividade Notarial, não só para a segurança jurídica dos contraentes, como também para a própria consolidação do negócio jurídico.

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